INDICAÇÕES
[RESTAURANTE] MISKI MIKUY
A minha voracidade pela cultura latino-americana se mescla, a cada dia que passa, com o meu próprio processo cognitivo. Saber, experimentar, me reconhecer e reconhecer o outro: ser. A América Latina é o mundo pelo qual faço meu delírio1.
Nesse escopo, a culinária da América Latina, tal qual os demais aspectos culturais da região, não é um elemento menor em minha experiência e, de fato, sempre me atraiu pela sua riqueza e sabores deveras marcados: a pimenta da comida mexicana, a suculência da carne sul-americana, o aroma do café colombiano e a riqueza amazonense (da parte que estou familiarizado) da culinária boliviana.
Contudo, da culinária peruana, reconhecida mundialmente como uma das melhores do mundo, pouco ou nenhum conhecimento eu tinha para além do tradicional ceviche.
Pois, mais próximo de Belo Horizonte como me encontro atualmente, busquei na capital mineira a oportunidade de ser finalmente apresentado a tal gastronomia. E foi no Estrela Dalva onde conheci o restaurante Miski Mikuy.
Da fome à satisfação - passada por pisco sour, arroz chaufa, leche de tigre e outras experiências -, é perceptível como tudo no restaurante é autêntico: o ambiente, os sabores, o atendimento. Tudo era real. É real. E não uma paródia para (pseudo-)turistas. Por suposto, o local, que funciona por reserva, consegue apresentar uma variedade de pratos e bebidas que, mesmo não sendo eu um grande connoisseur da culinária local, parece encontrar, nas mãos dos donos e chefes da casa (Cristian e Hermes), uma riqueza particular do próprio restaurante.
Se soo genérico, leitor, espero que me perdoe; ainda me falha a habilidade de descrever em palavras a riqueza sentida pelo paladar. Não obstante, como já dizia o velho ditado, se uma imagem vale mais que mil palavras, deixo abaixo um reels que gravei no local para assim, talvez, deixar minha indicação do Miski Mikuy mais clara:
[LIVRO] AMÉM, MISÉRIA - MARCELO ALCARAZ (2021)
"Viver na rua e não se dar conta do tempo é tornar-se uno com ele, o devorador de tudo", pensa Pedro, protagonista de "Amém, miséria" (2021), já próximo do fim do romance.
A assertiva, em meio a uma desencantada e algo cínica narrativa do autor paranaense Marcelo Alcaraz é, por suposto, significativa distintos graus: por um lado, Alcaraz, escritor-filósofo, é um claro conhecedor e explorador das fronteiras dos métodos peripatético e flâneur; por outro, a história de seu protagonista Pedro, um lotófago que se imagina Ulisses, se deixa transbordar na alegoria que perpassa e devora tudo e todos que se encontram em "Amém, miséria": a fome.
A fome que tanto inicia quanto encerra em um simbolismo mais direto (Pedro nunca consegue beber a gota de seu itaquense café), permeia, sem exageros, todo o romance e apaga do tempo e da narrativa tudo o que o descrente Pedro já teve ou era um dia: sua prole, seus discípulos, seus genitores, sua moral ou suas musas. Tudo isso em troca da imediatez de um pedaço de carne (bife ou bunda) ou um copo de vinho.
Afinal, o que pode nos desconectar mais do passado e futuro e nos jogar no imediato do presente do que a experiência de uma barriga roncando ou um saco cheio?
Alcaraz sabe bem manejar essas famintas expectativas em sua narrativa e construir uma história na qual os aproveitadores - igualmente famintos, mas de poder - dessa voraz condição rondam sem medo de serem vistos ou percebidos, prontos para construírem um futuro cheio de passado.
O livro pode ser encontrado no site da editora Urutau e vale muito a pena ser conferido.
IMPRESSÕES
[SÉRIE] BARRY (2018–2023)
Domingo, 14 de abril de 2019. No falecido Aries Bar - assim como por vários bares da cidades e do mundo -, um apinhado de gente se reunia para ver coletivamente o primeiro episódio da última temporada da série-evento da década: Game of Thrones.
Em texto recente aqui na [MAGAZINE] afirmei que não escreveria sobre o final de Game of Thrones e não escreverei. Mas a primeira vez que me dei com Barry, série da HBO que se encerra este ano, foi exatamente, como bem me lembro, naquele fatídico 14 de abril de 2019: ao encerrar a noite, enquanto a fila do caixa lentamente se esvaziava, segui olhando a TV para ver, de uma forma bastante insólita, um traficante checheno tentando se livrar de um assassino profissional.
O desfecho da cena, que dava com uma dança exótica num lage de L.A. enquanto um atirador mal pago agonizava no chão, me pegou. Com certeza, me pegou, mas nem tanto.
Com as minhas exaustivas idas e vindas semanais para o Rio de Janeiro e o funesto fim de Game of Thrones, que tornou meu gosto pelas produções da HBO como um todo amargo por um bom tempo, Barry ficou no meu radar mas não nas minhas telas.
Foi só na pandemia, em 2020, que eu realmente decidi assistir à série do hitman que, cansado se sua vida atroz, decide se tornar um ator.
É fácil imaginar porque Barry encontraria em mim um espectador interessado. A série, afinal, carrega vários dos elementos que eu usualmente me atraem: bom humor; personagens bem desenvolvidos e episódios de 30 minutos. De fato, acredito que o grande o chamariz era de Barry fora, em princípio (e ainda é, mas por motivos diferentes) ator e comediante Bill Hader, figurinha carimbada de filmes de comédia e sketches de SNL. Contudo, quando mais temos visto - temporada atrás de temporada - do descomunal talento do roteirista e diretor Hader, mais Barry sai do status da comédia conforto da semana e, mesmo não ganhando contornos de série-evento como foi Game of Thrones, se torna o interesse central de muita gente a cada domingo. A todos que, agora nessa última temporada, esperam ver o desfecho da história de um soldado e homem ávido por esquecer seu passado e com fome de amor que pode se perder ainda mais em seu abismo pessoal quando aproveitadores (igualmente famintos) dessa condição, que rondam sem medo de serem vistos ou percebidos, se colocam prontos para construírem um futuro cheio de passado.
O series finale da série é daqui a algumas semanas e você pode conferir a produção inteira no HBO Max.
Um forte abraço,
Mais detalhes sobre esse procedimento poderão ser lidos em breve na minha tese a sair no site da PPG das Letras Neolatinas da UFRJ.