INDICAÇÕES
[SÉRIE] NADA (2023)
Se você é um leitor assíduo [MAGAZINE] provavelmente já notou que o nada brilhante futuro da profissão do crítico é tema recorrente em meus ensaios e análises.
Talvez por esse motivo, leitor, você possa estranhar que a primeira indicação que tenho para te dar nesse texto seja, justamente, uma série dedicada a um arrogante crítico gastronômico e seu descompasso com o mundo contemporâneo após a morte de sua governanta.
Pois, apesar da sinopse de Nada (2023), a um primeiro olhar, parecer reforçar certos tics do “crítico aduaneiro” ou o “crítico de nariz em pé” tão acariciado nessa newsletter, a produção argentina, criada e dirigida por Mariano Cohn e Gastón Duprat, sabe perfeitamente brincar com o ridículo de sua premissa e tirar o melhor desse descompensado cenário.
De fato, Manuel acaba tendo sua vida virada do avesso com a morte de sua governanta, Celsa, a qual delegava mínimos detalhes de seu dia-a-dia. E, vendo-se posto num mundo sem mediadores, nosso rabugento protagonista estará sempre a um argentinismo - somos introduzidos em um dos episódios da série, por exemplo, à toda poética do xingamento “la concha de la lora” por um inesperado Robert De Niro - de por abaixo sua pilha de problemas familiares, monetários, sociais e profissionais.
Contudo, a chegada de Antonia, sua nova funcionária paraguaia, abre um leque de perspectivas (raça, gênero, diferenças geracionais, culturais e tantos outros tópicos) muito bem trabalhado nessa comédia de situações que vai do ridículo de um aristocrático crítico sem um puto no bolso reclamar da qualidade de uma tábua de frios até um esquerdo-macho (filho de um grande empresário) monologar contra o liberalismo para um grupo de velhos “epicuristas” sem perceber a ironia de sua condição.
Em miúdos, a série não só se encontra em sintonia com a [MAGAZINE] como, através de sua sátira ao mesmo tempo leve e contundente, faz ainda melhor o papel de demonstrar que a antiquada crítica como instrumento de erudição precisa ser reconsiderada sem que por isso joguemos fora por completo o que a crítica e sua função social significou e ainda pode significar para a construção de sentidos em nossa(s) cultura(s).
A descoberta da série, para mim, foi uma surpresa muito bem recebida e acredito que os poucos que a viram parecem concordar em sua qualidade: Patricia Kogut escreveu para O Globo que “A argentina 'O faz nada' tem delicadeza, doçura e De Niro de bônus. Cotação: 5 estrelas (ótima)”; já Tom Leão no Jornal do Brasil anotaria que “A série argentina ‘Nada’ é uma das melhores coisas que você verá no streaming este ano”; e a redação da revista Piauí diria que “A série segue a receita de uma boa sobremesa, que não exagera no açúcar e traz uma dose exata de sal”. A indicação, enfim, chega muito bem balizada pela crítica que não parece ter se mordido com o deboche da mesma.
Os 5 episódios de Nada (2023) ou, na tradução para o Brasil, O faz nada, saíram há pouco do finado serviço de streaming Star+ e se encontra agora no catálogo da Disney+.
[FOTOLIVRO] CUARTO OSCURO (2023)
Por certo, não escondo que as artes visuais, em especial a fotografia, são as formas de arte que mais me são mais caras em nível pessoal e emocional. Afinal, é algo que deixei bem explícito desde o COMEÇO dessa newsletter.
Veja que, para minha felicidade, há algum tempo fui agraciado com uma cópia de Cuarto Oscuro Coletivo (2023), projeto que já acompanhava nas redes sociais - devido a minha afinidade literária com um dos membros do coletivo de Uberlândia, Caio Siqueira -, mas que, na forma de um trabalho palpável, me ganhou novamente em outra dimensão poética.
Se pudesse caracterizar em poucas palavras o fotolivro diria que o mesmo é, em alguma medida, um intrigante oxímoro.
Apesar da clausura do nome-título, que parece remeter tanto a um mundo real, material, literal (o quarto escuro que se usa para revelar fotos; os cômodos escuros retratados nas fotos; a própria câmera fotográfica como uma “câmara clara”, como diria Barthes) e simbólico (dado o seu tema de saúde mental que atravessa o projeto), podemos ver e sentir, com certa facilidade, que a proposta do coletivo, seja na frente ou por trás das câmeras, se manteve fiel a sua declaração de ser um
“experimentalismo radical, refratário às formas fechadas e às ideias enrijecidas, (de forma que) almeja-se arejar os cômodos do pensamento e manter portas e janelas abertas. Ousemos pular.”
Nesse ensejo, o trabalho de sobreposição de significantes em cada uma das 4 partes temáticas de Cuarto Oscuro parece agregar, a cada nova iteração fotográfica, novos significados nessa complexa relação: “TRAVESSIA” trabalha todas as dimensões deste mundo que nos é apresentado em sua geometria não racional, mas concreta, disposta a intervenções humanas e de uma Natureza disposta a retomar seu espaço de direito; já “NÃO HÁ” expira ares emotivos e congrega uma imagética sinestésica que nos permite sensações e reflexões; “REMINISCÊNCIA”, por sua vez, põe textura nesse cenário coletivo que; por fim, em “VITALIDADE”, é revisitado e habitado agora em imagens que remetem a transitoriedade e a cinesia da vida.
Caso você tenha interesse no fotolivro ou no projeto como um todo pode entrar em contato com o coletivo via Instagram ou WhatsApp.
[CURADORIA] DIRETÓRIO DE NEWSLETTERS BRASILEIRAS
Há algumas recomendações e indicações passadas falei aqui do garboso trabalho do Rodrigo Ghedin, a.k.a. Manual do usuário, com sua lista de Newsletters brasileiras, cuidadosamente gerenciada, categorizada e selecionada.
Pois bem, há alguns meses (desculpa a demora, Rodrigo) recebi um e-mail do Manual do usuário informando que a lista foi completamente revista e atualizada para atender aos critérios estabelecidos originalmente pela proposta da curadoria. São eles:
Ser mantida por brasileiros e escrita em português;
Ser escrita manualmente, ou seja, não vale automações ou listas de links;
Ser gratuita (mesmo que parcialmente);
Não ser publicada por empresas (com exceção de jornais/empresas de mídia); e
Ter publicado no mínimo cinco edições ou estar no ar há pelo menos três meses.
Com o relançamento, o Diretório de Newsletters Brasileiras revisou uma a uma as newsletter de seu catálogo chegando ao número de 121 newsletters pessoais ou de pequenos coletivos, brasileiras e ativas.
Você, que me lê, pode ter certeza que encontrará ali uma série de newsletters feitas com muito carinho e empenho.
A bem da verdade é bem provável que você, inclusive, já tenha encontrado a [MAGAZINE] por lá e tenha me dado a oportunidade de adentrar a sua caixa de emails de tanto em tanto tempo com ensaios e divagações culturais e literárias visto que, por suposto, essa parceria com o Manual do usuário possibilitou um número considerável novos inscritos desde 2022.
Acesse o link do diretório aqui.
Um forte abraço e até a próxima,