I
Era janeiro de 2019. Fazia poucos meses que tinha defendido meu mestrado pela UFV e trabalhava na correção da dissertação para a versão final a ser entregue nas mãos dos responsáveis por arquivar o meu trabalho de 2 anos e poucos meses.
Eu já estava aprovado no Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ. Mas
A dúvida pairava. Os digo.
Ser pesquisador, por mais que um sonho de muitos, segue sendo algo inacessível a muitos no Brasil. Ainda mais considerando a realidade precária dos Institutos de Pesquisa (que inexistem fora das universidades) e a remuneração (quase exclusivamente feita por bolsa defasada e sem direitos trabalhistas) que temos no país. Algo que, naquele mês de janeiro, pesava sobre minhas decisões.
Quer dizer, havia sim, sido aprovado, mas não tinha perspectiva de bolsa imediata. De igual medida, também me inscrevi num concurso longe de casa e longe do Rio, onde supostamente cursaria o doutorado.
Em outras palavras, por percalços do destino, poderia não ter seguido com esse projeto profissional que, efetivamente, o conclui na última segunda-feira.
Havia sido aprovado, mas ainda não havia me inscrito.
“Saiu o Calendário da UFRJ”, disse em mensagem no dia 9 de janeiro, às 13:07, “A matrícula é só mês que vem”.
“Vou correr com a correção aqui”.
II
19 de janeiro. “Bora pro Rio”, escrevo em mensagem.
Nunca me adaptei ao calor do Rio. Nunca me adaptarei de todo.
Fiquei pouco lá. Poderia ficar a vida inteira e ainda não me acostumaria.
Sempre senti algum tipo de desconforto, de incômodo, tanto na cidade quanto na UFRJ. O suor, sempre pingando, as ideias, sempre se chochando.
Me cito de um texto de 1 de julho:
"São 9 da manhã de uma quarta-feira. Minhas costas doem e o sono impera; incomodos que não são exatamente novidade nestes meus corres para o Rio de Janeiro, mas que, no momento de desilusão vertical com o doutorado, acentuavam com agudeza o mal-estar da conjuntura.”
Naquele momento, o meu problema, além da poltrona dura do ônibus que me carregada semanalmente de Viçosa ao Rio, eram os pós-modernos descrentes da ciência que, a bom grado, criticavam o presidente pós-moderno descrente da ciência.
Os problemas com o governo se acentuariam com os anos. O presidente pós-moderno se mostraria letalmente mais descrente da ciência e os mesmos pós-modernos, filhos espirituais de Derrida e frequentadores da UFRJ, tanto o criticariam como também seus tios zapzapzeiros por contestarem as epistemologias ocidentais.
Mas por aquela altura, meu incomodo com a UFRJ, ao invés de uma relação perniciosa, se tornara produtiva, um incomodo que me movia, me instigava.
“Escolha a posição mais cômoda” escrevia, citando Calvino, na abertura do meu primeiro ensaio de 2020.
Nunca encontrei uma posição cômoda.
Por isso segui incomodado e incomodando.
III
Bebo um café. Aguardo a próxima aula.
Enquanto isso, folheio, sem muita atenção, as redes sociais. E, nos stories, vejo a nova trend do momento: compartilhar uma foto de 2013 e 2023.
Não sei se tenho fotos de 2013. Num drive ou hd externo perdido na minha casa, talvez. Mas se tento buscar, mentalmente uma foto, um auto-retrato de 2013, imagino um rapaz, acanhado, tímido. De pouca barba e alguma voracidade leitora.
Nunca esqueço de um comentário de uma antes colega, e posterior desafeto (spoiler), sobre a minha pessoa:
“Sempre que eu vejo o Diego, ele está lendo algum livro por ai”.
Uma imagem bastante diferente do polemista que curiosamente não me vejo hoje, mas pareço ser visto:
“A [MAGAZINE] também se destaca pelo tom pessoal, ácido e cirúrgico de Perez”.
Foi o que escreveu Laura Redfern Navarro há pouquíssimo em sua newsletter, O Corpo de Laura.
Essa posição, imagino, foi crescendo em mim.
O papel da revista ano I: ensaio, sem dúvida, foi essencial nessa percepção.
Entre 2020 e 2021, isolado do contato direto da UFRJ, criei um meio de fazer crítica.
Critica reflexiva, crítica positiva e, por certo, crítica negativa também.
Duvidei da real abrangência do mercado editorial brasileiro, satirizei o comportamento obsessivo dos usuários de redes sociais, parodiei as decisões estapafúrdias de uma decadente ABL, critiquei pequenos e grandes escritores das mais longínquas localidades desse globo.
Aprendi a não deixar barato golpes baixos, a responder à altura.
Mas, quiçá, o mais importante desse processo foi entender o fundamental e o ontológico do polêmico. Da necessidade da organização lógica do discurso. Da proposição de pautas. Do debate descarado de ideias. E o modo como, após a luta, cada combatente, mesmo ensanguentando, volta para casa afim de refiar suas armas, cobrir seus pontos cegos, se precaver de novos ataques.
Quer dizer, dos bate-bocas mais tontos, como quando, em um evento em Caracas - como disse uma vez Roberto González Echevarría -, “Rama, con retórica anticuada, ampulosa, hacía desde la tribuna declaraciones políticas y Emir [Monegal], de pie y haciendo bocina con las manos gritaba 'Rama presidente', 'Rama presidente'.", sairiam renovados 3 dos maiores intelectuais da América Latina. Com novos trabalhos. Novas reflexões. Novas ferramentas intelectuais para defesa e ataque.
Encontrava aí a minha tese.
IV
2022 foi um ano e tanto.
Comecei, com Eclê Gomes e Edimara Arcanjo, a Terceyro Mundo.
Ainda em 2022 decidi começar a [MAGAZINE].
Mas, o evento de maior magnitude a puxar-me sobre sua órbita nesse ano, sem qualquer sombra de dúvidas, foi a minha tese de doutorado.
“Buscando foco para terminar a tese”. Mensagem de 15 de maio de 2022. Mal sabia eu, por aquela altura, fichando livros, escrevendo 2 páginas por semana, que, em alguns meses, estaria produzindo 5, 7 páginas por dia.
A intensidade era um senso de urgência.
Urgência essa algo real, algo artificial.
Isto é, com a pandemia, pelas regras da CNPq e UFRJ, poderia pedir um tempo maior sem penalidades às instituições para desenvolver a tese com mais calma.
Mas a verdade é que tudo tem que ter um fim. E esse fim me trouxe outros fins: o fim do meu entendimento como aluno da UFRJ para me tornar professor do IFMG; o fim precoce da minha participação na Terceyro Mundo para dar espaço para a entrada triunfal de Pedro Martins e Victor Furtado; o fim da minha condição sempre passageira de doutorando para a, um pouco mais duradoura, de doutor.
Enfim, doutor.
V
9 de janeiro. 2023. Esquinas do espaço online.
Da cintura para cima, formal.
Da cintura para baixo, short e chinelo (para representar minha estadia carioca, para aplacar o calor atípico e incômodo mineiro).
Me sinto calmo. Seguro.
O rito corre como deveria. É uma defesa. Tenho prática. Me defendo.
Perto das 18:00, o rito se encerra. Então, o veredito:
Ainda faltam trâmites, ainda faltam revisões.
“Vou correr com a correção aqui” pode muito bem ser uma mensagem que enviarei novamente dentro das próximas semanas. Mas não restam dúvidas, como as haviam em janeiro de 2019, antes de ingressar efetivamente na UFRJ.
Seguirei pesquisando. Seguirei refletindo.
Seguirei incomodado e incomodando.
Um forte abraço,
Li com um sorriso no rosto. Me senti lendo uma continuação dos seus zines