TIAGO GERMANO, O ESCRITOR PROFISSIONAL: SOBRE CATÁLOGO DE PEQUENAS ESPÉCIES
[RESENHA]
Se tem uma coisa que dá pra dizer, depois de ler Catálogo de Pequenas Espécies (2021), é que Tiago Germano é um escritor profissional.
Essa frase pode até soar um pouco estranha, afinal, tanto é notório que Germano se profissionalizou enquanto escritor em uma jornada ainda peculiar para os padrões brasileiros (além de jornalista, Tiago é mestre e doutor em escrita criativa pela PUCRS que contou também com uma passagem pela School of Literature, Drama and Creative Wrinting da University of East Anglia) como é fato que várias dos escritores e escritoras que hoje habitam o cenário da literatura nacional, cada qual em sua jornada, também chegaram a profissionalização.
E mesmo assim, ao ler Catálogo de Pequenas Espécies, dar a Germano o epíteto de um escritor profissional me soa como a coisa mais apropriada a se dizer. Com efeito, fica evidente que Germano tem um absoluto controle tanto da técnica - uso de repetições, alternâncias, saltos temporais, diferentes registros (o diário, diálogo e a estrutura clássica por exemplo) - quanto do conteúdo - a morte, memórias de infância, afeto com animais ou questões de política nacional, curiosamente, não são nem banais nem universais, mas aparecem bastante empáticas, inclusive para um mundo literário atual onde a ficção está submersa (felizmente) em identitarismo - que aplica em cada um dos contos que compõe o volume no intuito de atingir exatamente o que quer no seu leitor: um sorriso ("Cafu"), um arrepio ("Dia de coleta"), uma reflexão ("Chiclete azedo"), uma lágrima ("Sobrevida"), uma indignação ("Germes").
Um controle como esse pode, talvez, dar a impressão de uma prosa abismal ao leitor dessa resenha: algo como um livro experimental escrito em um idioleto próprio ou então um conjunto de contos cheios de micro easter eggs a serem desvendados para se ter a noção do todo como se fazia há época da Oulipo, mas, novamente, a verdade é que Germano é um escritor profissional. Nesse sentido, o estilo do Catálogo de Pequenas Espécies é, apesar da complexidade, bastante acessível e parece se colocar na longa tradição da crônica/contística que povoou e ainda povoa, ainda que em menor grau, - com seus mestres Rubem Braga, Loyola Brandão, Luis Fernando Veríssimo, Fernando Sabino e tantos outros - o periodismo brasileiro.
Não que Germano não pudesse experimentar ou plantar easter eggs aqui e acolá em seu livro em vista de um posterior reconhecimento academicista dado a desvendar esses mistérios e manhas narrativas por artigos e teses, afinal, fica claro que, pelo seu manejo técnico, isso não seria problema algum para o autor. Mas não. Catálogo de Pequenas Espécies não parece alimentar esse tipo de egotrip que, com efeito, é algo bastante recorrente de qualquer escritor em busca de sua marca pessoal no mundo. Na verdade, a impressão que prevalece é que, enquanto escritor profissional, Germano nunca se esquece de fazer da experiência da leitura algo agradável ao leitor - e não é isso, ao fim e ao cabo, o conceito básico de arte? a fruição? - inclusive quando o assunto que trata em sua prosa não o é como o luto, embates religiosos/políticos ou até mesmo a inimaginável perda de um cachorro. E essa consideração e respeito ao leitor, ou, em outras palavras, esse profissionalismo de Tiago Germano, é sem dúvida uma qualidade ímpar na literatura brasileira contemporânea. Ao menos na minha perspectiva.
Se tem uma coisa que dá pra dizer depois de ler Catálogo de Pequenas Espécies é que Tiago Germano é um escritor profissional. Mas se tem outra coisa a se dizer é que mais escritores deveriam ser tão profissionais quanto Tiago Germano.