IMPRESSÕES
[LIVROS] Trilogia Arturo Zarco - Marta Sanz
Lembram-se quando, no começo da pandemia, lá em 2020, algumas editoras deram exemplares de graça de alguns de seus livros para impulsionar o mercado livreiro? Pois bem, 2022 chegou, o trânsito de pessoas retornou e o meu hábito de ler em transportes intermunicipais voltou com ele. Foi nessa que, revirando minha biblioteca do kobo, me deparei com o noir título Un buen detective no se casa jamás (2012), de Marta Sanz.
A prosa algo surreal de Sanz, aliada a chegada brusca do protagonista - que abandona toda sua história (que história?) com Paula e Olmo para trás - a uma pequena cidade costeira dominada por uma femme fatale tanto me instigou quanto me confundiu nas 3 horas que duraram a minha metaviagem.
No dia seguinte, antes de retomar a leitura, com uma rápida pesquisa na internet, me inteirei que Un buen detective é, na verdade, o segundo livro de uma trilogia que a escritora espanhola Marta Sanz pôs a guisa entre 2010 e 2020.
Naturalmente, ao invés de prosseguir a minha leitura, com essa nova informação, decidi voltar ao primeiro livro, Black Black Black (2010), que esclareceu alguns fatos sobre alguns personagens citados a esmo no segundo volume. Diz a sinopse:
Os pais de Cristina Esquivel, uma geriatra encontrada estrangulada em seu apartamento em Madri, contratam o detetive Arturo Zarco para encontrar o assassino de sua filha. Na realidade, o que eles esperam é incriminar Yalal, o pedreiro marroquino com quem Cristina foi casada e que agora tem a guarda da filha do casal. Zarco é um detetive pouco convencional; na casa dos quarenta, gay, e ainda intimamente ligado a Paula, sua ex-mulher, com quem conta e com quem discute por telefone as vicissitudes da investigação e até os detalhes de seus fascínios eróticos. Mas sob a superfície das conversas, depois da história das idas e vindas de vizinhos suspeitos e dos supostos envolvidos, a conversa telefônica entre o detetive e Paula se torna um pretexto para dominação e vingança, pelo dano que estes personagens que se odeiam, se amam, se repelem e se atraem, querem causar um ao outro. Até que a luta dialética entre Zarco e Paula é subitamente interrompida pelo diário da doença de Luz, uma das vizinhas do geriatra assassinado e mãe de Olmo, o jovem que fascina e perturba Zarco.
A leitura de Black Black Black vai pela sua metade no momento e o que posso dizer até esse ponto é que Sanz tem uma ótima habilidade em construir personagens. Personagens estes que, ainda que algo caricatos, são multifacetados, com motivações, sentimentos e atitudes imprevisíveis. Com as palavras, Sanz é algo como uma arquiteta brutalista.
O livro, enquanto pretenso pleiteante do gênero policial, poderia ter mais ação ou ser mais curto (como os contos de Sherlock), mas acredito que poderá ser uma recomendação quando termine de lê-lo.
RECOMENDAÇÕES
[TEXTO] A POESIA CONTEMPORÂNEA É IRRELEVANTE - Lucas Luiz
"Mazelas do pequeno mundo acadêmico à parte, a estrutura da polêmica supõe a 'gentle art of making enemies'" nos diz João Cézar de Castro Rocha em sua carta aberta à polêmica como importante recurso da vida cultural brasileira, isto é, Crítica Literária: em Busca do Tempo Perdido? (2011).
Lucas Luiz parece estar em sintonia com o pensamento de Castro Rocha ao denunciar em seu breve texto (apenas 2 minutos de leitura) a derrocada da “palavra carregada ao seu máximo grau de significação” que deveria ser a poesia com P maísculo, como o escritor sugere, em favor de “uma produção desenfreada, de nenhum senso-crítico, sendo empilhada em blogs/redes sociais, com pouco ou nenhum retorno” que acabou jogando a poesia a um nicho.
Como toda boa polêmica, a que traz Luiz tem tanto exageros (generalizar TODA a poesia sendo produzida hoje) como doses de veracidade, afinal, desde a década de 1990, pesquisadores brasileiros já identificam que a poesia brasileira contemporânea de fato se tornou mais nichada e que muitas vezes os consumidores de poesia são, por norma, os próprios poetas.
Esse processo de nichamento da poesia brasileira acaba por ser apenas um dos vários elementos que constituem uma crise quase invisível do mercado literário e da própria literatura brasileira em que o interesse do público - frente a tanta variedade de entretenimento, lazer ou formas mais acessíveis de arte no século XXI- leitor é diariamente minado e que, sem falta, ainda ensaiarei por aqui sobre o assunto. Por ora, contudo, fiquemos com a reflexão de Luiz.
[SÉRIE] Solar Opposites - Star +
Não é nenhum sacrilégio afirmar, hoje, que o hype de Rick & Morty acabou.
O gigantesco ego de Dan Harmon (é perceptível agora como Rick é um alter-ego do próprio) e a sua saturada obsessão por metalinguagem (provavelmente culminando no nauseante episódio 3 episódio da 4 temporada) parecem encaminhar a série para o mesmo declínio à mediocridade que teve a antecessora produção de seu criador, Community (2009-2015). Justin Roiland, co-criador da animação, parece ter percebido que se encontrava numa canoa furada, tanto que decidiu tocar, junto com Mike McMahan, um novo projeto na Hulu: Solar Opposites.
No estrear da 3 temporada, há poucos meses, Screen Rant disse que “Solar Opposites é o show que Rick & Morty quer ser (mas não pode)” e, honestamente, o site tem um bom ponto.
Na sinopse, quatro alienígenas vindo de um planeta mais evoluído acaba se refugiando na Terra depois que seu universo acaba explodindo; na prática, a animação se estrutura como uma pseudo-sitcom que faz do humor característico de Roiland o conduíte para um entretenimento honesto, leve, irônico e (ao que tudo indica) longevo. Algo que nem de perto nem de longe se assemelha ao drama existencialista de chan que Harmon tanto cultivou em Rick & Morty a fim de agradar incels.
O final da segunda temporada de Solar Opposites, por exemplo, é um “evil Morty” ao reverso: ante um apocalipse eminente, a “familia” solar opposites tenta desesperadamente preencher um realização-trômetro apenas para descobrir, no final do episódio, que essa realização é inútil, fútil, tanto quanto os 20 minutos de animação que assistimos para passar o tempo.
Por certo, Solar Opposites não tem um senso de grandeza como a sua pretensiosa irmã mais velha. Ela curte seu momento, o seu ritmo, e ao contrário da primogênita, entrega o que promete.
No Brasil, Solar Opposites sai no streaming Star +.
Até a próxima, meus caros.
Um forte abraço,