IMPRESSÕES
[SÉRIE] - Girls (2012-2017)
Ainda lembro do teaser que abriria a season finale de Girls, passando nos spots da HBO durante aquele longínquo ano de 2017. No teaser, víamos uma montagem com os melhores momentos da série até as cenas dos novos episódios enquanto o voice-over, de uma das falas da Hannah no piloto, dizia: "Eu acho que posso ser a voz da minha geração. Ou pelo menos uma voz. De uma geração."
Acredito que a Lena Dunham (criadora da série), que falava pela boca da Hannah (afinal, Lena também a interpretava) naquele momento inaugural, tinha razão e isso explica bastante da minha relação de amor e ódio pela série enquanto essa estava no ar.
Quer dizer, era dúbio para mim, assim como para meus convivas millennials, nos vermos retratados em tela por personagens e relações que podiam ser diametralmente cativantes e tóxicas: o egocentrismo de Hannah, o comportamento errático Adam, a necessidade de propósito e atenção, a alta exposição em redes sociais e tudo mais que vinha no pacote "ter 20 e poucos nos anos 10".
Com a sexta e última temporada da série, o fim do programa, naquele então, veio mais como um alívio, como o fechamento de um ciclo necessário mas doloroso, do que realmente algo a se lamentar.
Passados 5 anos desde seu fim, por algum motivo (provavelmente porque segui a minha própria recomendação do mês passado), resolvi revisitar a série com algum receio. Será que a série realmente tinha qualidade ou foi algo que só quem estava no lugar certo e na hora certa teve a oportunidade de curtir a experiência? Pois digo que, passados vários episódios, Girls tem me surpreendido de várias maneiras diferentes.
A começar pelos personagens, é perceptível como, por mais que eles quisessem vender a série como algo "moderninho" na época - com a nudez, “fluidez” das relações e excentricidades -, há uma certa inocência em todos eles: como se conectam, como se doem, como se ama, como são, enfim, jovens. Acho que já não tenho mais uma relação de amor e ódio com a série, mas de compreensão. Claro que todos os personagens seguem sendo tóxicos entre si, mas hoje eu compreendo os porquês disso sem afetação.
Além disso, é perceptível que os episódios são muito bem estruturados narrativamente: sutilezas levam a trama adiante e constroem camadas de significação. A segunda temporada inteira, por exemplo, gira em torno do mote "e se você encontrasse o seu homem ideal?" (sem que isso seja gritado na cara do espectador) e cada uma das protagonistas lida com isso de uma maneira muito particular e coerente com suas próprias características.
Caminho lento para terminar a série. Me falta tempo para maratoná-la (sou millenial, afinal, não gen z), mas até o momento acho que é uma série que vale muito o play.
Girls está atualmente disponível no HBO Max.
INDICAÇÕES
[ARTES PLÁSTICAS] Roman Signer
"A arte conceitual só é boa quando a ideia é boa" disse uma vez Sol LeWitt. E sobre esse pensamento, Gerárd Genette completou: "Será preciso deixar claro que a miúde ela não o é?"
Admito desde já que concordo com as posições de Genette quanto a arte conceitual, quer dizer, que o modo de funcionamento desta é semelhante ao da piada. É preciso de contexto, bom texto e senso de humor afiado para se produzir uma peça que valha a pena, coisa que, novamente, a miúde, não vale.
Mas há exceções. E uma delas, como a que venho recomendar hoje, é o artista suíço Roman Signer.
Eu poderia escrever um textão aqui para tentar explicar a obra de Singer, mas ao contrário de vários artistas conceituais (que você tem que ler a cartilha interpretativa do artista, resumindo um livro que explica a situação política de um país sul-americano na década de 1970 para entender o porquê de um mero toco de madeira estar em uma galeria branca de 100 m²) o trabalho do suíço tem uma linguagem bastante universal e autoexplicativa.
Com seus pequenos absurdos, Singer consegue, num tom lúdico (bem-humorado poderia dizer), alcançar o seu público desde um nível elementar, oferecendo o espetáculo pelo espetáculo, mas não restringe essa relação e as possibilidades de interpretação artística caso seus espectadores desejem se aprofundar em uma perspectiva mais profunda.
Caso você queria saber mais sobre a obra de Singer, basta entrar na hashtag #RomanSinger no Instagram para curtir a obra do suíço e caso você domine o francês também há um vídeo do canal TRACKS -ARTE sobre o artista disponível no YouTube.
[POEMA] "Passionnément" - Ghérasim Luca
O poema "Passionnément", do poeta e teórico surrealista Gherasim Luca, é provavelmente uma das melhores coisas que você vai ver hoje.
No texto em francês, o eu-lírico apaixonado tenta expor em palavras gaguejantes os seus sentimentos em um solilóquio hipnotizante.
Ao ter a oportunidade de ver uma declamação ao vivo do próprio Luca, Augusto de Campos descreveu o encontro como "O texto de um mago 'gago-apaixonado' joycesteiniano, que fazia as palavras nascerem umas das outras, lidas com incrível virtuosidade e com emoção implosiva, e que terminou sendo aplaudido com entusiasmo pelos que assistiam à apresentação". Já Deleuze vaticinou em Crítica e clínica que “'Passionnément' cria uma outra língua no interior da língua, a linguagem inteira tende para um limite 'assintático', 'agramatical', ou que se comunica com seu próprio fora" e, com isso, não há mais o que dizer, apenas admirar.
Por hoje é isso meus amigos.
Um forte abraço e até semana que vem,
Amei as indicações!