Quando Billie Eilish e seu irmão FINNEAS abriram as portas de sua produção para o David Letterman, no ano passado, poucas pessoas pareciam se surpreender com a técnica de "vocal comping", isto é, o processo no qual uma única música pode ser formada de vários trechos que são posteriormente harmonizado através de IA,o já antigo autotune e vários outros programas, como o utilizado pela artista para a composição de seu álbum Happier Than Ever.
Para os que seguem se surpreendendo com a onipresente digitalização tanto da produção quanto do consumo dessa produção musical no século XXI, fica, usualmente, a pergunta: como um artista assim performa ao vivo?
Se MC Marechal costumava dizer que "Processo é louco, cada vez mais seletivo / (...) Não tem letra desiste... se não tem show se mata ao vivo", entrados na segunda década deste século, fica evidente que temos hoje um processo cada vez menos seletivo e mais gente se matando ao vivo:
na falta de performance convincente, há cada dia mais playback e pirotecnia em cima dos grandes palcos da música.
Claro, não há de se generalizar toda uma geração de artistas. A própria Billie Eilish, por sua parte, performa notoriamente com competência vocal.
Assim como ela, vários cantores profissionais hoje seguem um regimento de disciplina vocal ou de prática instrumental a risca e dificilmente desagradam quando pisam nos principais palcos mundo a fora.
Contudo, é fato que, por outro lado, quanto mais a música tem se tornado eletrônica e digitalmente produzida ou consumida, mais a exigência com as performances ao vivo parece ter caído para alguns artistas, produtores ou público. E, nessa toada, ao menos parte público tem sentido falta de performances mais humanas, com instrumentos e vozes menos robótica: a polêmica entre Blogueirinha e Pabllo Vittar não tem sido umas das grandes tretas da música brasileira no ano atoa.
Pois, nesse momento na arte musical, que parece encaminhar-se para um antes e um depois, um artista (muito bem acompanhado) que, com certeza, se garante no “ao vivo” mas, ao memo tempo, não parece um ludista a ladrar contra os novos tempos, parece ser o exemplo perfeito de nosso tempo.
Me refiro ao saxofonista Leo Pellegrino, a.k.a Leo P.
Nascido em Pittsburgh, Leo se mudou para Nova York após o ensino médio para estudar na Manhattan School of Music. No final da faculdade, o músico entra para a Lucky Chops, banda de metais, e passa a tocar em estações de metrô em NY. Nessas sessões Leo começaria a chamar a atenção do público não somente pela qualidade da música, mas também pela sua presença de “palco”: “Quanto mais eu dançava nos shows, mais eu percebia que as pessoas davam dinheiro”, Leo chegou a dizer em uma das - surpreendentemente - raras entrevistas que você consegue encontrar do mesmo pela internet.
Contudo, quando Leo P. deixa a Lucky Chops para fundar, com Matt "Doe" Muirhead (tompete) e David "King of Sludge" Parks (bateria), a banda Too Many Zooz, é que o reconhecimento se tornou tão expansivo quanto suas apresentações.
O conceito sonoro da Too Many Zooz pode parecer um pouco inusitado a quem pouco conhece a cena atual das bandas de metais estadunidenses: a partir de toques e formação inicial clássica de uma fanfarra, Too Many Zooz criou, há uma década, uma sonoridade completamente única que seus membros chamaram de “Brass House”: um gênero que mistura jazz, ritmos afro-cubano e funk com a estrutura musical da música eletrônica e de House music.
Em outras palavras, ao invés de seguir alimentando uma polêmica antiquada de novo versus velho, acústico e digital, tradicional e vanguarda, em um movimento de bricolage, o trio conseguiu o feito de combinar performance e música eletrônica.
O resultado dessa mescla, apresentado inicialmente em estações de metrô em Nova York, simplesmente explodiu na internet não apenas pela musicalidade, mas também (e poderíamos nos arriscar a dizer, principalmente) pelo show a parte de Leo P.
Apesar do trambolho de seu um sax barítono (um tipo de sax muito maior e, inclusive, mais dificil de manusear), Leo P. sempre vestido espalhafatosamente, ainda consegue dançar freneticamente durante as apresentações. “O saxofonista mais foda de todos os tempos” começava a ganhar olhares:
Se engana quem supõe que esse "show" todo esconde falta de técnica. Em uma sessão freestyle em parceria com Michael Wilbur (da banda Moon Hooch) Pellegrino demonstra todo o seu arsenal técnico em um video que, com efeito, poderá te causar incômodo, desconfiança, alegria, (o candidato mais provável) confusão, mas, creio eu, dificilmente te deixará indiferente.
Após subir ao palco ao lado Beyoncé em 2016, é fato o que realmente parece ter tirado o músico do nicho para colocá-lo em evidência nas páginas e no reconhecimento da mídia tradicional foi a sua marcante participação, 2017, no especial "BBC Proms: Beneath the underdog" em homenagem a Charles Mingus.
Sobre o especial, enquanto o site The Prickle escreveu que "O saxofonista barítono Leo Pellegrino (da sensação viral Too Many Zooz) roubou a cena com seus movimentos de dança e imitações de sintetizador", o The Guardian pontou, em tom agridoce que
“Mingus, notoriamente um pavio-curto, poderia muito bem ter ficado tentado a acertar um gancho de esquerda educativo em Pellegrino antes que o jovem saxofonista conseguisse transformar os últimos estágios de um show em seu tributo em um show próprio - mas por acidente ou intencionalmente, o recém-chegado enfatizou a alegria impulsividade de um gigante musical americano muitas vezes caracterizado como apenas um gênio torturado.”
Com banda ou sem banda, Leo P. segue provando que ele próprio é o show.
Um forte abraço,