Há muito não lia Bolaño.
Depois de devorá-lo durante a graduação e tê-lo como protagonista do meu trabalho de conclusão de curso, fui o perdendo de vista quanto mais se abrumava por trás da mitificação acadêmica e das publicações apócrifas.
Não durmo bem no mês que se segue.
Stress, viagens intermináveis, trabalhos e o retorno aos encontros sociais acadêmicos (nos quais, entre estabelecer uma dialética transcendental com a literatura e a troca de miudezas com afetos e desafetos, sinto que o mal hábito fala mais alto) me permitem apenas um sono precário.
Estirado na cama, alcanço na mesa de cabeceira o Cuentos completos, do escritor chileno, adquirido há poucos meses por uma pueril preocupação crítica.
“Luis Antonio Sensini, el escritor argentino, segundo accésit, con un cuento en donde el narrador se iba al campo y allí se le moría su hijo o con un cuento en donde el narrador se iba al campo porque en la ciudad se le había muerto su hijo”, nos conta o narrador de “Sensini” que, naturalmente, é o próprio Bolaño.
A primeira — e falsa — impressão é de monotonia diante do conto epistolar.
A impressão, contudo, não é suficiente para terminar precocemente a leitura: “no quedaba nada claro, lo cierto es que en el campo, un campo plano y más bien yermo, el hijo del narrador se seguía muriendo, en fin, el cuento era claustrofóbico”.
De parágrafo em parágrafo, de carta em carta, o texto cresce em sutileza num jogo entre o dito e o não dito das relações familiares, sexuais, literárias.
“Parece que nada acontece”, diz minha namorada que acorda e se junta a leitura. “Essa é a graça”, contesto fazendo meu ponto sobre a fluidez das longas descrições iniciais em contraste com os anos que voam em seguida bem como da busca do ancião e esquecido escritor argentino pelo seu kafkiano filho Gregório, desaparecido nas entranhas da América Latina.
“¿Sabes que Borges le escribió una vez una carta, a Madrid, en donde le ponderaba uno de sus cuentos?, dijo ella mirando su coñac. No, no lo sabía, dije yo. Y Cortázar también escribió sobre él, y también Mujica Lainez. Es que él era un escritor muy bueno, dije yo”. Joder, dijo Miranda”, disse Bolaño que assiste as luzes que iluminam Girona sobre o signo de grandes escritores inventados, esquecidos, pequenos e grandes, nesta que não se assemelha às grandes épicas bolañesas como Detectives Salvajes ou 2666, mas que me produz, na sua aparente simplicidade, um desejo nostálgico e quase perdido da palavra mágica do aedo latino-americano por excelência.
“Le dije que tenía veintiocho, tres más que él. Aquella mañana fue como si recuperara si no la felicidad, sí la energía, una energía que se parecía mucho al humor, un humor que se parecía mucho a la memoria”, diz o poeta quando eu, aos 28, naquela manhã insomne, me torno poesia.
Um forte abraço,